segunda-feira, 17 de maio de 2010

"Sempre quis estar perto das palavras"


"Os Íntimos", o novo romance de Inês Pedrosa, é uma incursão da autora pelo universo masculino a partir das histórias pessoais de cinco personagens muito diferentes entre si, mas, curiosamente, unidas pela amizade

Fez pesquisa literária sobre assuntos masculinos, ouviu conversas, falou com amigos e apontou frases que ouvia nos caderninhos de que nunca se separa. Para escrever o seu novo livro, "Os Íntimos", Inês Pedrosa fez aquilo a que chama "uma investigação militante". E depois assumiu o risco calculado de descrições de sexo e de experimentar uma linguagem mais crua.

Terminada a obra a autora admite ter ficado "mais apaziguada com certas atitudes masculinas que tinha dificuldade em entender". A também directora da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, diz que, para ela, escrever é o mais importante. "Sempre quis estar perto das palavras, por isso escolhi ser jornalista". E confessa ter um sonho: o de dormir uma noite no quarto de Fernando Pessoa.

Como surgiu a ideia de escrever um livro que tem homens como protagonistas?

Apercebi-me que há uma indulgência e uma tolerância muito maior entre os homens. É disso que o livro trata. Os cinco personagens são diferentes uns dos outros, e isso, aliado ao facto de se entenderem bem, é curioso e frequente. É menos habitual nas mulheres haver amizades tão próximas entre interesses diferentes. Comecei a achar curioso analisar como é que, depois de tantas lutas de emancipação, e tantas leis de igualdade, há universos que continuam separados. Por isso interessou-me especificamente para este livro um universo que é diferente do meu.

Fez muita investigação sobre o assunto?

A ideia inicial para este romance partiu de uma conversa com um amigo meu. Descobri que entre os homens há amizades incompreensíveis que se reatavam mesmo depois de grandes ofensas.

Do seu ponto de vista o que os leva a darem-se bem mesmo nos casos em que têm interesses diferentes?

Uma das razões é que eles não são frontais. A cultura da frontalidade não é nada masculina. As mulheres são muito mais confrontacionais e francas.

Neste romance optou pela fragamentação do texto e por uma polifonia de vozes. Porquê?

O nosso mundo hoje em dia é sobretudo estereofónico. Acho que a fragmentação é uma característica importante para dar conta para o futuro do que é a vida contemporânea. Mas, cada vez mais, deixo que as coisas se construam por si. Tenho muito dificuldade em fazer romances na terceira pessoa. Pessoalmente, acho mais interessante encarnar as vozes e deixar-me levar por elas.

Foi difícil para si escrever a partir de personagens masculinas?

Não. Achei que me sentiria mais à vontade para escrever sobre sexo e coisas mais brutais, se encarnasse em personagens masculinos. Assim foi mais fácil rasgar a língua .

Descrever cenas de sexo foi um risco calculado?

Sim. Nos nossos dias, o sexo é um tema importante . Mas, muitas vezes, é tratado de uma forma frívola. É muito mais fácil as pessoas caírem nos braços uma da outra e terem sexo, do que terem intimidade.

Depois de escrever "Os Íntimos" ficou a conhecer melhor os homens?

Direi antes que fiquei mais apaziguada com certas atitudes. Mas não encontrei respostas definitivas.

Que lugar é que a escrita ocupa na sua vida?

Um lugar fundamental. Aliás, foi por isso mesmo que, há dois anos, tive muitas dúvidas em aceitar dirigir a Casa Fernando Pessoa. Acabei por escolher o jornalismo para arranjar um modo de vida que me permitisse trabalhar perto das palavras.

O que gostaria de mudar na Casa Fernando Pessoa ?

Gostaria que ela tivesse uma gestão autónoma . Os estatutos estão prontos mas o assunto ainda não foi levado a reunião de Câmara. Mas há algo que já posso concretizar. Brevemente vamos lançar uma nova revista, chamada "Pessoa".

E tem algum desejo pessoal relacionado com este espaço?

Tenho o sonho de dormir no quarto do Pessoa. É a única divisão da casa que está tal e qual como no tempo do seu ocupante. Quando tiver medo de que não baixe sobre mim mais inspiração, deito-me ali. Já que ele diz que escreveu, numa cómoda que lá está, o "Guardador de Rebanhos" numa só noite.Pode ser que me aconteça também algo assim...

Ana Vitória, JN

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